17.2.22

Drive My Car: Filme x Livro

O filme japonês Drive My Car (Doraibu Mai Kâ) dirigido pelo Ryûsuke Hamaguchi e estrelado por Hidetoshi Nishijima e Tokô Miura, está indicado em 4 categorias do Oscar: Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Filme Internacional e Melhor Roteiro Adaptado.


Esse filme fez sucesso em todos os festivais que foi exibido em 2021 e acho muito justo. Está no meu top 5 filmes que vi em 2021.

É um filme longo, são 3 horas, e que usa bem esse tempo para contar a história. Os créditos iniciais vem depois de 40 minutos de filme.

O filme é baseado em um conto do Haruki Murakami que tem o mesmo título do filme. Esse conto está num livro chamado Homens sem Mulheres. Depois de ver o filme fiquei curiosa com a história original e comprei o livro. São 7 contos sobre homens e como se relacionam com o abandono, a paixão, o desejo, a descoberta e a perda.  

Descobri que o filme é, na verdade, a adaptação de dois contos desse livro: Drive My Car e Sherazade. E acho que foi uma adaptação muito bem feita e que ficou até melhor do que os dois contos.

O conto de Drive My Car é sobre um ator, Kafuko, que descobre ter glaucoma e precisa de um motorista. Depois de um teste, ele contrata a Misaki para levá-lo de ida e volta ao teatro, onde ele faz Tio Vanya. Ele aproveita para decorar as falas e os dois acabam conversando. Ele conta que sua esposa morreu (de uma doença) e que ela tinha amantes. Ele ficou amigo do último amante que ela teve e os dois sempre iam beber e falar da esposa porque Kafuko queria entender o motivo dela procurar outros homens. Misaki conta de suas origens em Hokkaido e talvez dê um insight sobre a esposa do Kafuko.

Sherazade é um conto sobre um homem que escuta histórias que sua amante conta depois do sexo e ele anota num caderninho. Uma das histórias é sobre uma garota invadindo a casa de um crush na época da escola. Ele é viciado nas histórias dela e estremece só de pensar que ela pode não aparecer um dia.

Sobre o que é o filme? Eu conto (sem spoilers).

O filme começa com Kafuku e sua esposa Oto, na cama, e ela está contando uma história. Depois descobrimos que ela é roteirista e que logo após o sexo ela tem idéias para roteiros e conta para Kafuko. Mas ela esquece o que contou e ele é encarregado de lembrar e anotar. E a história que ela conta é a mesma do livro mas tem algumas mudanças e desenvolve para melhor.

Kafuko é um ator de teatro conhecido e Oto trabalha na TV. Kafuko descobre que tem glaucoma e precisa tomar cuidados.

Um dia Kafuko tem que fazer uma viagem a trabalho mas o voo atrasa e ele decide voltar para casa. Do mesmo jeito silencioso que ele entra em casa, ele sai depois de ver a esposa com outro homem no sofá da sala. 

Descobrimos que há mais de 15 anos Oto e Kafuko tiveram uma filha que morreu criança, Oto decidiu que não queria mais filhos.

Outro dia Kafuko chega em casa e Oto está morta no chão, foi uma morte repentina. Tem o velório e o homem do sofá (que é um ator mais jovem) vai dar os pêsames.

Dois anos depois Kafuko vai para Hiroshima dirigir uma adaptação de Tio Vanya com um elenco internacional (cada ator diz as falas em sua língua). O homem do sofá faz um teste para a peça e é escalado no papel principal.

Por questões de segurança, a companhia de teatro diz que Kafuko tem que ter um motorista. Ele resiste porque adora dirigir, ele fica passando as falas de Tio Vanya (com uma fita gravada pela esposa) enquanto faz o caminho e seu carro é quase uma relíquia. Mas ele aceita fazer um teste com a jovem Misaki Watari e acaba a aceitando como motorista.

Kafuko de vez em quando se encontra com o homem do sofá para falar da peça e de sua esposa e eles bebem um bocado.

E com Misaki ele desenvolve uma relação de amizade e talvez pai e filha.

Do filme é isso que posso contar, vale muito a pena ver. É sobre muitas coisas mas principalmente como entender o outro, seja por escutar, por falar, por gestos, por olhares ou até por histórias contadas por terceiros.

Achei que juntar os dois contos foi uma ótima idéia e a forma como as relações foram desenvolvidas para além do que tem nos contos foi muito bem feito.

Claro que tem muitas referências a peça do Tchekhov mas não conheço o texto e nunca vi a peça. Quando vi o filme pela segunda vez reparei mais nas falas da peça que ele passa dentro do carro sempre tem alguma relação com o que aconteceu com o Kafuko.

Não posso avaliar se ganha ou não o Oscar de Roteiro Adaptado porque não li os livros dos outros filmes indicados (Power of The Dog, A Filha Perdida e Duna. CODA foi adaptado de um filme francês) para poder comparar, mas essa indicação foi mais do que justa. Inclusive esse roteiro ganhou o prêmio em Cannes.

Quanto as outras indicações, acho que leva Melhor Filme Internacional. Não tem o apelo popular que teve Parasita (os coreanos fazem plot twist e trabalham fotografia muito bem) para ganhar Melhor Filme.

O Murakami é muito fã dos Beatles, nesse mesmo livro tem um conto chamado Yesterday (e menciona a música de Paul McCartney) e ele tem um outro livro chamado Norwegian Wood. Nem o conto nem o filme Drive My Car tem a ver com a música, mas sendo Murakami o título não é a toa, tanto que o título do conto nem foi traduzido para o português.

Os outros 5 contos do livro são:

Yesterday - Kitaro pede a seu amigo Tanimura para sair com sua namorada Erica porque teme que ela se interesse por outro já que ela está na universidade e ele ainda faz cursinho. No encontro Erica diz para Tanimura (depois de irem ver um filme) que gosta muito do Kitaro mas que não o entende e que está saindo com outro rapaz. (achei esse bom)

Orgão Independente - sobre um cirurgião plástico que só sai com mulheres comprometidas, mas tudo de forma que as partes estão cientes do tipo de relacionamento, tanto ele como elas. Acontece que um dia ele se apaixona pra valer e não consegue lidar com esse sentimento. (esse conto é melancólico)

Kino - Um homem descobre que a esposa o trai, se divorcia e abre um bar. (não me importei muito com o Kino mas consigo entender quem fica entediado com a tv e vai ler um livro e vice versa)

Samsa Apaixonado - Gregor Samsa acorda e descobre que agora é um ser humano. Ele não sabe como tem essa memória mas sabe que é. Ele vai descobrindo seu corpo e sensações enquanto tenta se locomover pela casa. Uma moça corcunda chega para ajeitar a fechadura e Samsa aproveita para tirar algumas de suas dúvidas sobre o que está acontecendo.

Homens sem Mulheres - um homem recebe a ligação do marido de sua ex-namorada dizendo que ela morreu. Ele passa a lembrar da ex-namorada e filosofar sobre homens que ficam sem as mulheres.


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